Ano: 2019 | Editora: Self-released | Review por: Guilherme Lucas
Hostis Humani Generis, o segundo trabalho de longa duração da banda portuense Ghosts of Port Royal, lançado em Março, dá continuidade ao caminho já trilhado pelo grupo em 1692, o seu muito prometedor álbum de estreia de 2014, mas acrescentando uma maior profundidade e intensidade ao seu discurso.
Hostis Humani Generis, o segundo trabalho de longa duração da banda portuense Ghosts of Port Royal, lançado em Março, dá continuidade ao caminho já trilhado pelo grupo em 1692, o seu muito prometedor álbum de estreia de 2014, mas acrescentando uma maior profundidade e intensidade ao seu discurso.
Todos os segundos álbuns são habitualmente os mais difíceis de analisar, mas é também através deles que se pode ter uma leitura mais acertada sobre o atual momento e ambições futuras de um artista ou de uma banda, refletindo sempre um momento de balanço. Neste aspecto, os Ghosts of Port Royal consolidam-se como banda com um muito interessante projeto musical, deixando de ser uma mera promessa para passarem a ser uma certeza. Significa isto que são para serem levados muito a sério.
Hostis Humani Generis revela-se um bom trabalho na sua totalidade, após escuta atenta. É mais adulto, elaborado e esclarecido na composição e nos pormenores das suas canções do que o seu antecessor, num cenário natural de crescimento para conseguir ampliar e solidificar as suas capacidades criativas, e, por esse facto, alargar também o campo de angariação de mais devotos para a sua causa. De salientar a participação em alguns dos temas, como músicos convidados, de guitarristas de renome da nossa praça musical, como Jorge Loura e Miguel Azevedo, e nas percussões e harmónica de Gamblín’ Sam.
Não sendo este um álbum de rotura com 1692 (nem isso se pediria), é isso sim de consolidação de uma sonoridade e de uma estética que se percebe que é aquela que o grupo pretende continuar a propagar. E é também, todo ele, feito de forma premente e de declaração de causas. É um álbum confrontacional. Isso já acontecia em 1692, mas agora é reconfirmado com outra pujança, exprimindo a identidade da banda de forma mais plena.
Hostis Humani Generis é composto por onze grandes temas.
O tema de abertura, The Rampart, é todo ele deveras explícito ao que a banda vem (e que não é de agora). Abre como um soco no estômago e a sua letra acentua mais essa ideia - “We are balls of fire / At the ramparts / The enemy at the gates / We are the bull’s horns” - e o seu subsequente apelo à revolta coletiva - “We are the uppercut / Of the underdog / We are the people / In the streets / Against the police” - refletindo a convicção de resistência, mesmo que isolada - “We are breaking in / We won’t follow the queue”. É o apelo à revolta, contra os muros, e o tema que marca uma posição política da banda. O tempo dirá se este é o tema hino da banda, pois resulta como tal por agora.
Man On Fire, um dos melhores temas do álbum, alarga ainda mais a sensação de que a banda não desiste de nos surpreender pela sua energia. Uma linha de baixo simplesmente viciante e imensa, num andamento desenfreado e muito excitante, acompanhado por uma grande vocalização e uma guitarra plena de energia e groove, que encaixa na perfeição em todos os espaços do tema. Reflete o paradigma e o paradoxo da experiência, de se ser velho e novo demais para as coisas da vida.
Jealously Jones, eventualmente o tema que fica mais no ouvido (há algo de The Cramps e do tema Goo Goo Muck, nos seus acordes iniciais), e que é um bom exemplo de dualidade entre tempos fortes e outros mais serenos e contemplativos. A violência doméstica a ser exposta em tons noir e em forma de crime perpetrado. O drama e o obscuro unidos. Muito bom trabalho de guitarra e de bateria.
Intercalamity é um dos mais avassaladores temas do álbum, pleno de densidade e intensidade, muito dentro do stoner-rock e grunge. Pesado e mental. Baseado na notícia de uma trabalhadora despedida por um patronato persecutório e da forma como resiste estoicamente e de forma provocatória, qual mito de Sísifo.
Devil’s Waltz reflete os excessos da noite e o festim, e de como se sobrevive a isso. Entre Santana, The Cult e The Cramps, com o pormenor delicioso de um andamento demolidor e psicadélico em jeito de valsa. Puro abandono.
Scarecrow é o tema mais bluesy, sendo endiabrado e incrivelmente eficaz, perfeito no seu estilo. Grande refrão e um trabalho de solos de guitarra magnífico. Outro dos grandes temas do álbum. Do direito a sermos ascetas e de decidirmos o que fazer das nossas vidas, sem pressões e seguidismos.
Monomania of Pride, é o tema que mais nos remete para a influência de uns MC5 no som da banda, pleno de energia e arrasador. Refere-se a um antigo termo de psicologia clínica que se dava a pessoas ‘anormais’ , que eram demasiado teimosas nas suas convicções; muitas mulheres eram sujeitas a esse diagnóstico. Sobre a uniformização social e a demagogia mundial de hoje. Com um pouco de ajuda, podemos lutar e resistir a todas essas imposições e estigmas.
Moon Lost Dog é outro tema com um refrão e andamento marcantes. Tem pormenores e subtilezas instrumentais muito interessantes em todas as variações do tema. Da necessidade de animo e partilha, ode ao gozo e à provocação em tempos de crise.
Shake the Tree - “In these Nations of Hypocrisy / They feast flesh and blood / The blood of a Man / A Man down to Its knees / For water and bread” [sic]. É sobre a demagogia da crença de “one nation under God” e os consequentes atropelos morais que daí resultam, com uma alusão final ao poema Adieu de Rimbaud. Entre Led Zeppelin, Patti Smith, Mark Lanegan, The Cult, entre outros.
The Tempest é sobre os pormenores de um naufrágio que poderia muito bem ser um qualquer barco de refugiados no Mediterrâneo por estes dias. Hard-rock e grunge. A sugerir AC/DC, em período de Jon Bon Scott, The Cult, Alice in Chains, Deep Purple.
Hostis Humani Generis encerra com o tema que também dá nome ao álbum. É o melhor de todos, o que de alguma forma sumariza todos os aspetos instrumentais praticados pelo grupo, mas também porque é uma grande canção. Tem tudo. Um grande refrão, andamento poderoso, substância, profundidade. Reflete a identidade de resistir e de reagir da banda. O final angustiante é prova da capacidade do grupo em conseguir construir momentos de grande intensidade dramática e poética (comprovadas ao vivo), algo que nos remete para o legado de uns The Doors, e que encontramos a espaços em Dead Kennedys, Rollins Band, Melvins ou Jesus Lizard. Os Ghosts of Port Royal fazem parte desse grupo de eleitos.
Hostis Humani Generis enquanto elemento gráfico, revela-se excelente na sua simplicidade de leitura e de visualização. É produção graficamente Do It Yourself, da autoria do seu vocalista, Augusto Lado. Houve o cuidado de expor as letras das canções de forma direta para uma leitura acessível, e a foto de capa, escolhida talvez pelo misto de beleza decadente e de mistério que encerra, é obra do acaso, refletindo a paisagem que se observa desde os estúdios de gravação em que o álbum foi gravado; por sua vez, a foto da banda, no interior, é dramaticamente encenada, e os quatro músicos aparecem com estigmas e flagelações estampadas nos seus rostos, de acordo com os estados de espírito que são refletidos nas suas letras e músicas. Reflete uma tomada de posição daquilo que não são. Não revelam candura mas guerrilha, sem distopias industriais, entre o velho e o novo, a ruína e a estrada. Juntos numa causa, mas completamente diferentes entre si.
Hostis Humani Generis revela-se um bom trabalho na sua totalidade, após escuta atenta. É mais adulto, elaborado e esclarecido na composição e nos pormenores das suas canções do que o seu antecessor, num cenário natural de crescimento para conseguir ampliar e solidificar as suas capacidades criativas, e, por esse facto, alargar também o campo de angariação de mais devotos para a sua causa. De salientar a participação em alguns dos temas, como músicos convidados, de guitarristas de renome da nossa praça musical, como Jorge Loura e Miguel Azevedo, e nas percussões e harmónica de Gamblín’ Sam.
Não sendo este um álbum de rotura com 1692 (nem isso se pediria), é isso sim de consolidação de uma sonoridade e de uma estética que se percebe que é aquela que o grupo pretende continuar a propagar. E é também, todo ele, feito de forma premente e de declaração de causas. É um álbum confrontacional. Isso já acontecia em 1692, mas agora é reconfirmado com outra pujança, exprimindo a identidade da banda de forma mais plena.
Hostis Humani Generis é composto por onze grandes temas.
O tema de abertura, The Rampart, é todo ele deveras explícito ao que a banda vem (e que não é de agora). Abre como um soco no estômago e a sua letra acentua mais essa ideia - “We are balls of fire / At the ramparts / The enemy at the gates / We are the bull’s horns” - e o seu subsequente apelo à revolta coletiva - “We are the uppercut / Of the underdog / We are the people / In the streets / Against the police” - refletindo a convicção de resistência, mesmo que isolada - “We are breaking in / We won’t follow the queue”. É o apelo à revolta, contra os muros, e o tema que marca uma posição política da banda. O tempo dirá se este é o tema hino da banda, pois resulta como tal por agora.
Man On Fire, um dos melhores temas do álbum, alarga ainda mais a sensação de que a banda não desiste de nos surpreender pela sua energia. Uma linha de baixo simplesmente viciante e imensa, num andamento desenfreado e muito excitante, acompanhado por uma grande vocalização e uma guitarra plena de energia e groove, que encaixa na perfeição em todos os espaços do tema. Reflete o paradigma e o paradoxo da experiência, de se ser velho e novo demais para as coisas da vida.
Jealously Jones, eventualmente o tema que fica mais no ouvido (há algo de The Cramps e do tema Goo Goo Muck, nos seus acordes iniciais), e que é um bom exemplo de dualidade entre tempos fortes e outros mais serenos e contemplativos. A violência doméstica a ser exposta em tons noir e em forma de crime perpetrado. O drama e o obscuro unidos. Muito bom trabalho de guitarra e de bateria.
Intercalamity é um dos mais avassaladores temas do álbum, pleno de densidade e intensidade, muito dentro do stoner-rock e grunge. Pesado e mental. Baseado na notícia de uma trabalhadora despedida por um patronato persecutório e da forma como resiste estoicamente e de forma provocatória, qual mito de Sísifo.
Devil’s Waltz reflete os excessos da noite e o festim, e de como se sobrevive a isso. Entre Santana, The Cult e The Cramps, com o pormenor delicioso de um andamento demolidor e psicadélico em jeito de valsa. Puro abandono.
Scarecrow é o tema mais bluesy, sendo endiabrado e incrivelmente eficaz, perfeito no seu estilo. Grande refrão e um trabalho de solos de guitarra magnífico. Outro dos grandes temas do álbum. Do direito a sermos ascetas e de decidirmos o que fazer das nossas vidas, sem pressões e seguidismos.
Monomania of Pride, é o tema que mais nos remete para a influência de uns MC5 no som da banda, pleno de energia e arrasador. Refere-se a um antigo termo de psicologia clínica que se dava a pessoas ‘anormais’ , que eram demasiado teimosas nas suas convicções; muitas mulheres eram sujeitas a esse diagnóstico. Sobre a uniformização social e a demagogia mundial de hoje. Com um pouco de ajuda, podemos lutar e resistir a todas essas imposições e estigmas.
Moon Lost Dog é outro tema com um refrão e andamento marcantes. Tem pormenores e subtilezas instrumentais muito interessantes em todas as variações do tema. Da necessidade de animo e partilha, ode ao gozo e à provocação em tempos de crise.
Shake the Tree - “In these Nations of Hypocrisy / They feast flesh and blood / The blood of a Man / A Man down to Its knees / For water and bread” [sic]. É sobre a demagogia da crença de “one nation under God” e os consequentes atropelos morais que daí resultam, com uma alusão final ao poema Adieu de Rimbaud. Entre Led Zeppelin, Patti Smith, Mark Lanegan, The Cult, entre outros.
The Tempest é sobre os pormenores de um naufrágio que poderia muito bem ser um qualquer barco de refugiados no Mediterrâneo por estes dias. Hard-rock e grunge. A sugerir AC/DC, em período de Jon Bon Scott, The Cult, Alice in Chains, Deep Purple.
Hostis Humani Generis encerra com o tema que também dá nome ao álbum. É o melhor de todos, o que de alguma forma sumariza todos os aspetos instrumentais praticados pelo grupo, mas também porque é uma grande canção. Tem tudo. Um grande refrão, andamento poderoso, substância, profundidade. Reflete a identidade de resistir e de reagir da banda. O final angustiante é prova da capacidade do grupo em conseguir construir momentos de grande intensidade dramática e poética (comprovadas ao vivo), algo que nos remete para o legado de uns The Doors, e que encontramos a espaços em Dead Kennedys, Rollins Band, Melvins ou Jesus Lizard. Os Ghosts of Port Royal fazem parte desse grupo de eleitos.
Hostis Humani Generis enquanto elemento gráfico, revela-se excelente na sua simplicidade de leitura e de visualização. É produção graficamente Do It Yourself, da autoria do seu vocalista, Augusto Lado. Houve o cuidado de expor as letras das canções de forma direta para uma leitura acessível, e a foto de capa, escolhida talvez pelo misto de beleza decadente e de mistério que encerra, é obra do acaso, refletindo a paisagem que se observa desde os estúdios de gravação em que o álbum foi gravado; por sua vez, a foto da banda, no interior, é dramaticamente encenada, e os quatro músicos aparecem com estigmas e flagelações estampadas nos seus rostos, de acordo com os estados de espírito que são refletidos nas suas letras e músicas. Reflete uma tomada de posição daquilo que não são. Não revelam candura mas guerrilha, sem distopias industriais, entre o velho e o novo, a ruína e a estrada. Juntos numa causa, mas completamente diferentes entre si.