Ano: 2018 | Editora: self-released | Review por: Guilherme Lucas
"Um projeto musicalmente muito interessante e original, mesmo quando comparado com muitos outros congéneres a nível global."
"Um projeto musicalmente muito interessante e original, mesmo quando comparado com muitos outros congéneres a nível global."
Lançado em janeiro de 2018, o EP Causa Modicum Temporis Spatium é o mais recente trabalho dos Benthik Zone a ver a luz do dia. Sobre os Benthik Zone - e antes de nos debruçarmos sobre uma análise mais detalhada sobre este seu quarto e último trabalho - importa fazer um breve enquadramento temático, pois há escassa informação disponível neste campo sobre a sua discografia anterior e principalmente sobre as relações estabelecidas com um universo ontológico e escatológico muito próprio da banda. Não valorizar este lado místico do grupo equivale na prática a negligenciar, em grande parte, a singularidade da sua música.
Desde o seu primeiro trabalho, de nome Alienum a Daemonum Inferni Squali (maio de 2016), o obscuro duo de ambient black metal do Porto, constituído por Bragadast e Einsichtmar, iniciou tematicamente uma longa viagem onírica e sensorial nas trevas, prenunciando uma gradativa redenção espiritual do Homem, cósmica e extracorpórea, evidenciada nos seus trabalhos seguintes. Assim, comentar Causa Modicum Temporis Spatium sem o enquadrar na restante discografia seria entrar a meio de uma viagem que tem sido desenvolvida desde a génese da banda.
Situam inicialmente o seu mundo de trevas na zona mais profunda do oceano (zona bentónica), não alcançada pela luz e onde as cavernas oceânicas abrigam tubarões extraterrestres; onde apenas a fauna aquática que habita nessa zona pode comunicar entre si pela sua própria fotoluminescência - estando este fator ligado a uma linguagem diversa e própria de cada ser vivo. O primeiro trabalho leva-nos a percecionar todo este contexto cosmogónico da nossa existência, pois somos o Homem que se deixa submergir neste mundo de escuridão aquática onde os autores deste projeto relacionam a imersão com uma experiência que nos remete às nossas origens. Constatamos que existe no seio da sua sonoridade um apelo absoluto direcionado para os sentidos e para a reflexão, bem como para o terror que esta zona nos obriga a enfrentar e a lutar pela nossa própria sobrevivência. Tudo isto para expressar a premissa de que a única coisa realmente importante é o que podemos fazer pela nossa própria vida (ou seja, viver, abraçando o risco e os enigmas da natureza), e que o oposto a isso é irrelevante e sempre negativo, demonstrando fraqueza de espírito, inércia e resignação. Existe, subjacente a esta ideia, uma mensagem positiva que impele a uma ação construtiva baseada na permanente luta pela sobrevivência com vista ao crescimento espiritual do Homem.
No seu segundo e terceiro trabalhos, Cyclum Vitam D'Aqua Pollutio (novembro de 2016) e Via Cosmicam ad Europam ab Gelid Inferis (setembro de 2017), respetivamente, há uma continuação desta temática inicial mas transposta para a superfície do oceano, num cenário de caos e trevas pós-apocalíptico, onde a Mãe-Terra, no eterno ciclo das águas (que significa a Vida e a sua permanente renovação) se ressente e se mostra cansada do Homem (o maligno agente poluidor, envenenador e destruidor da Natureza). Oferecendo a um novo Homem, que sobrevive ao caos, um renovado ciclo de vida e de consciência cósmica universal, despido de egos e de falsos sentidos de identidade, existe, neste sentido, a prevalência de um ideal utópico. Há claramente a ideia de uma purificação do Homem pelo caos e posterior elevação espiritual pela comunhão unitária, mas também uma postura ecológica por parte da banda.
Mas esta consciencialização ocorre do facto de este novo Homem, tal como todos os seres vivos à sua volta, estar fisicamente encarcerado num mundo de caos e destruição (teoria do eterno retorno), onde a única forma de escapar é pela migração espiritual para paragens longínquas do Universo - como Júpiter - fixando-se em Europa, uma das suas luas. É aí que voltam a ser novos seres vivos corpóreos, criaturas oceânicas mutantes, que inicialmente não se apercebem da sua consciência. É por via da meditação que vão construindo uma nova perceção do real e é também nesse momento que se apercebem realmente do potencial da Morte como fonte para a iluminação total da consciência, tomando assim conta das suas várias consciências acumuladas em vários corpos passados e de como sem dar este passo seria impossível juntar e unir as mesmas. O episódio final do Via Cosmicam ad Europam ab Gelid Inferis refere-se a um momento de morte premeditada em massa, que pode ser interpretada como uma alegoria para o renascimento de uma nova consciência espiritual e cósmica em rotura com o medo e o terror que a Morte física tipicamente proporciona. Citando os autores deste projeto: “É o regresso a um momento que decorre antes da criação do universo, no caos inicial. É o regresso a um tempo Mítico”.
Em Causa Modicum Temporis Spatium a temática passa para o Cosmos, onde o Tempo e o Espaço são o palco de todas as modificações e ocorrências, desde o atómico ao humano e ao intergaláctico; onde estes são a força motriz, e onde a gravidade é o que une este Tempo e Espaço. Existe também um forte apelo à Morte e ao seu mistério e enigma. Musicalmente, este trabalho possuí, no seu todo, um seguimento lógico em relação ás sonoridades dos trabalhos anteriores da banda, mas desta vez contendo uma maior e mais elaborada produção e masterização, que se faz notar à primeira escuta. O EP abre com o tema †êmþðrï§, uma cativante progressão de diversas intensidades melódicas, onde surgem momentos excelentemente orquestrados com o que se assemelha a violoncelos das trevas, alternando a ação entre momentos calmos e melancólicos, de uma beleza inquietante, para logo de seguida irromper de novo em chamas e crescendos de caos, com coros obscuros e pagãos, sempre seguidos pela voz imprecada e infernal que é definitivamente a imagem de marca e de mais fácil identificação do som dos Benthik Zone. Todo o trabalho de baixo - ou das várias sonoridades mais graves - é muito interessante de seguir ao longo do álbum, registando-se momentos de assinalável excelência e de extremo cuidado pelos pormenores. O segundo e último tema - §þå†ïµm - abre com uma fantástica guitarra com delay seguida de uma demolidora entrada de baixo e bateria, numa postura muito industrial e marcial, para rapidamente submergir numa longa jornada ambiental, com muitos bons momentos de guitarra e de diversas texturas sonoras comuns ao som do grupo. O tema tem vários registos diferentes, sendo todos eles completamente cinemáticos e emotivos. Termina num longo drone distorcido, luminoso e cintilante, numa incursão psicadélica ao que parece ser um momento de caos mas também de nascimento, envolvendo todo um conjunto de forças gravitacionais em conflito, qual duas estrelas (referente à capa do EP) a colidirem uma com a outra, formando uma nova estrela ou um buraco negro. Há nesta finalização como que uma abordagem distorcida e tenebrosa da música clássica e da música sacra, e que é audaz esteticamente pela intenção e execução. As duas estrelas, que ilustram a capa do trabalho, podem ser sempre interpretadas iconograficamente como Bragadast e Einsichtmar na sua odisseia musicalmente organizada no caos, em estado de energia espiritual em movimento perpétuo pelo Cosmos.
Os Benthik Zone são um projeto musicalmente muito interessante e original, mesmo quando comparado com muitos outros congéneres a nível global. A sua diferença reside essencialmente na forma completamente improvável e não formatada como constroem os seus temas. As suas estruturas composicionais são arriscadas: não são óbvias, fáceis ou acessíveis como muitas outras; o seu som, sim, é difícil à partida, mas queremos crer que só mesmo à partida e muito localizada em públicos pouco ou nada interessados em descobrir sonoridades audazes dentro de um panorama mais radical do underground. Existe uma beleza soturna, melancólica e infernal e um soberbo filme de terror e caos quando escutamos os temas desta banda. Há um risco ganho por optarem esteticamente por uma orientação de texturas sonoras complexas e intensas, executadas com instrumentos e tecnologias várias, em detrimento do uso da habitual guitarra elétrica e respetivos solos expressivos, muito comuns nestas tipologias dentro do metal. Existe também um mundo muito particular e fascinante que move Bragadast e Einsichtmar nesta caminhada pelas suas trevas pessoais e sonoras, e se isso nem sempre se consegue descodificar, dada a postura tradicionalmente hermética e secreta do black metal e seus atores, fica sempre a certeza de que algo grandioso e redentor nos foi deixado à nossa livre interpretação. De salientar que um projeto musical não é só som; pode ser (e deveria ser quase sempre) postura filosófica com ação e pensamento intrigante. Neste sentido toda a arte pictórica e afins, que se possam conjugar, são sempre um acréscimo importante. As ilustrações das capas dos seus álbuns plasmam sempre o essencial das suas temáticas: nelas encontram-se todos os elementos fundamentais da sua narrativa. Até nesses curiosos e enigmáticos pormenores o duo não nos deixa de surpreender muito agradavelmente. Os Benthik Zone são inovadores dentro do seu género musical. Se já são revolucionários na atualidade, só o futuro o dirá.
Desde o seu primeiro trabalho, de nome Alienum a Daemonum Inferni Squali (maio de 2016), o obscuro duo de ambient black metal do Porto, constituído por Bragadast e Einsichtmar, iniciou tematicamente uma longa viagem onírica e sensorial nas trevas, prenunciando uma gradativa redenção espiritual do Homem, cósmica e extracorpórea, evidenciada nos seus trabalhos seguintes. Assim, comentar Causa Modicum Temporis Spatium sem o enquadrar na restante discografia seria entrar a meio de uma viagem que tem sido desenvolvida desde a génese da banda.
Situam inicialmente o seu mundo de trevas na zona mais profunda do oceano (zona bentónica), não alcançada pela luz e onde as cavernas oceânicas abrigam tubarões extraterrestres; onde apenas a fauna aquática que habita nessa zona pode comunicar entre si pela sua própria fotoluminescência - estando este fator ligado a uma linguagem diversa e própria de cada ser vivo. O primeiro trabalho leva-nos a percecionar todo este contexto cosmogónico da nossa existência, pois somos o Homem que se deixa submergir neste mundo de escuridão aquática onde os autores deste projeto relacionam a imersão com uma experiência que nos remete às nossas origens. Constatamos que existe no seio da sua sonoridade um apelo absoluto direcionado para os sentidos e para a reflexão, bem como para o terror que esta zona nos obriga a enfrentar e a lutar pela nossa própria sobrevivência. Tudo isto para expressar a premissa de que a única coisa realmente importante é o que podemos fazer pela nossa própria vida (ou seja, viver, abraçando o risco e os enigmas da natureza), e que o oposto a isso é irrelevante e sempre negativo, demonstrando fraqueza de espírito, inércia e resignação. Existe, subjacente a esta ideia, uma mensagem positiva que impele a uma ação construtiva baseada na permanente luta pela sobrevivência com vista ao crescimento espiritual do Homem.
No seu segundo e terceiro trabalhos, Cyclum Vitam D'Aqua Pollutio (novembro de 2016) e Via Cosmicam ad Europam ab Gelid Inferis (setembro de 2017), respetivamente, há uma continuação desta temática inicial mas transposta para a superfície do oceano, num cenário de caos e trevas pós-apocalíptico, onde a Mãe-Terra, no eterno ciclo das águas (que significa a Vida e a sua permanente renovação) se ressente e se mostra cansada do Homem (o maligno agente poluidor, envenenador e destruidor da Natureza). Oferecendo a um novo Homem, que sobrevive ao caos, um renovado ciclo de vida e de consciência cósmica universal, despido de egos e de falsos sentidos de identidade, existe, neste sentido, a prevalência de um ideal utópico. Há claramente a ideia de uma purificação do Homem pelo caos e posterior elevação espiritual pela comunhão unitária, mas também uma postura ecológica por parte da banda.
Mas esta consciencialização ocorre do facto de este novo Homem, tal como todos os seres vivos à sua volta, estar fisicamente encarcerado num mundo de caos e destruição (teoria do eterno retorno), onde a única forma de escapar é pela migração espiritual para paragens longínquas do Universo - como Júpiter - fixando-se em Europa, uma das suas luas. É aí que voltam a ser novos seres vivos corpóreos, criaturas oceânicas mutantes, que inicialmente não se apercebem da sua consciência. É por via da meditação que vão construindo uma nova perceção do real e é também nesse momento que se apercebem realmente do potencial da Morte como fonte para a iluminação total da consciência, tomando assim conta das suas várias consciências acumuladas em vários corpos passados e de como sem dar este passo seria impossível juntar e unir as mesmas. O episódio final do Via Cosmicam ad Europam ab Gelid Inferis refere-se a um momento de morte premeditada em massa, que pode ser interpretada como uma alegoria para o renascimento de uma nova consciência espiritual e cósmica em rotura com o medo e o terror que a Morte física tipicamente proporciona. Citando os autores deste projeto: “É o regresso a um momento que decorre antes da criação do universo, no caos inicial. É o regresso a um tempo Mítico”.
Em Causa Modicum Temporis Spatium a temática passa para o Cosmos, onde o Tempo e o Espaço são o palco de todas as modificações e ocorrências, desde o atómico ao humano e ao intergaláctico; onde estes são a força motriz, e onde a gravidade é o que une este Tempo e Espaço. Existe também um forte apelo à Morte e ao seu mistério e enigma. Musicalmente, este trabalho possuí, no seu todo, um seguimento lógico em relação ás sonoridades dos trabalhos anteriores da banda, mas desta vez contendo uma maior e mais elaborada produção e masterização, que se faz notar à primeira escuta. O EP abre com o tema †êmþðrï§, uma cativante progressão de diversas intensidades melódicas, onde surgem momentos excelentemente orquestrados com o que se assemelha a violoncelos das trevas, alternando a ação entre momentos calmos e melancólicos, de uma beleza inquietante, para logo de seguida irromper de novo em chamas e crescendos de caos, com coros obscuros e pagãos, sempre seguidos pela voz imprecada e infernal que é definitivamente a imagem de marca e de mais fácil identificação do som dos Benthik Zone. Todo o trabalho de baixo - ou das várias sonoridades mais graves - é muito interessante de seguir ao longo do álbum, registando-se momentos de assinalável excelência e de extremo cuidado pelos pormenores. O segundo e último tema - §þå†ïµm - abre com uma fantástica guitarra com delay seguida de uma demolidora entrada de baixo e bateria, numa postura muito industrial e marcial, para rapidamente submergir numa longa jornada ambiental, com muitos bons momentos de guitarra e de diversas texturas sonoras comuns ao som do grupo. O tema tem vários registos diferentes, sendo todos eles completamente cinemáticos e emotivos. Termina num longo drone distorcido, luminoso e cintilante, numa incursão psicadélica ao que parece ser um momento de caos mas também de nascimento, envolvendo todo um conjunto de forças gravitacionais em conflito, qual duas estrelas (referente à capa do EP) a colidirem uma com a outra, formando uma nova estrela ou um buraco negro. Há nesta finalização como que uma abordagem distorcida e tenebrosa da música clássica e da música sacra, e que é audaz esteticamente pela intenção e execução. As duas estrelas, que ilustram a capa do trabalho, podem ser sempre interpretadas iconograficamente como Bragadast e Einsichtmar na sua odisseia musicalmente organizada no caos, em estado de energia espiritual em movimento perpétuo pelo Cosmos.
Os Benthik Zone são um projeto musicalmente muito interessante e original, mesmo quando comparado com muitos outros congéneres a nível global. A sua diferença reside essencialmente na forma completamente improvável e não formatada como constroem os seus temas. As suas estruturas composicionais são arriscadas: não são óbvias, fáceis ou acessíveis como muitas outras; o seu som, sim, é difícil à partida, mas queremos crer que só mesmo à partida e muito localizada em públicos pouco ou nada interessados em descobrir sonoridades audazes dentro de um panorama mais radical do underground. Existe uma beleza soturna, melancólica e infernal e um soberbo filme de terror e caos quando escutamos os temas desta banda. Há um risco ganho por optarem esteticamente por uma orientação de texturas sonoras complexas e intensas, executadas com instrumentos e tecnologias várias, em detrimento do uso da habitual guitarra elétrica e respetivos solos expressivos, muito comuns nestas tipologias dentro do metal. Existe também um mundo muito particular e fascinante que move Bragadast e Einsichtmar nesta caminhada pelas suas trevas pessoais e sonoras, e se isso nem sempre se consegue descodificar, dada a postura tradicionalmente hermética e secreta do black metal e seus atores, fica sempre a certeza de que algo grandioso e redentor nos foi deixado à nossa livre interpretação. De salientar que um projeto musical não é só som; pode ser (e deveria ser quase sempre) postura filosófica com ação e pensamento intrigante. Neste sentido toda a arte pictórica e afins, que se possam conjugar, são sempre um acréscimo importante. As ilustrações das capas dos seus álbuns plasmam sempre o essencial das suas temáticas: nelas encontram-se todos os elementos fundamentais da sua narrativa. Até nesses curiosos e enigmáticos pormenores o duo não nos deixa de surpreender muito agradavelmente. Os Benthik Zone são inovadores dentro do seu género musical. Se já são revolucionários na atualidade, só o futuro o dirá.