Texto: Joana Ribeiro
Fotos: Daniel Sampaio
Para variar um pouco, os concertos começaram de forma pontual e os horários de cada banda foram respeitados ao longo da noite. Ascetic eram a banda mais recente do cartaz, e é importante destacar que, não obstante as poucas aparições ao vivo e de o seu lançamento de estreia ainda estar para ver a luz do dia, já são capazes de prender a atenção de uma quantidade considerável de pessoas. Não há, para já, elementos sonoros que demarquem verdadeiramente a banda, mas é de notar a consistência nas suas actuações, apesar de terem ficado prejudicados pela qualidade do som, com a guitarra a soar pouco clara e as linhas de baixo a não passarem verdadeiramente cá para fora (uma das partes mais interessantes da banda da última vez que os vimos). Não esticaram o concerto para além do razoável, tendo conseguido manter o público interessado e devidamente aquecido para a banda que se seguia.
Acceptus Noctifer encheu o Metalpoint como poucas bandas portuguesas fazem, ou não fossem a atracção principal da noite. Talvez seja natural dada a combinação de factores: o one-man project de Tarannis foi descoberto por mais e mais gente devido ao sucesso do músico com NU:N, apesar da diferença no estilo; o álbum lançado há uma década, o único longa-duração, criou um certo culto – poucas bandas lançam um, e apenas um, álbum de tão elevada qualidade; não davam concertos há cerca de 8 anos, portanto era uma rara oportunidade de os apanhar ao vivo – na realidade, a última, marcando assim a extinção de Acceptus Noctifer, e este terá sido porventura o principal factor que juntou tanta gente debaixo do mesmo tecto.
Apesar de talentoso multi-instrumentista, Tarannis limitou-se ao papel de vocalista, com várias figuras conhecidas do black metal nacional a assumir os deveres instrumentais de forma irrepreensível. O concerto foi, inevitavelmente, focado no longa-duração “Amores de Ofício”, mas houve ainda tempo para “Das Podridões Espúrias” e “Infinito Tormento”, saídas da demo “Eterno Retorno”, de 2012. A teatralidade do frontman foi o veículo perfeito para o desespero patente nas letras funéreas, agora ecos de um passado distante, com a sua imagem imponente a erguer-se acima do público e a arrastar para si todos os olhares. O público lembrava-se das letras, acompanhando o vocalista ao longo de todo o concerto, mas ganhando força em “Canteiro de Ossos”, a música que serviu de fecho a “Amores de Ofício” e ao set que tocaram. Acceptus Noctifer despediu-se do público – e do mundo – marcando assim o fim de uma jornada e deixando um sentimento agridoce que tão bem se coaduna com a sua música.
Captar as atenções do público após Acceptus Noctifer não está ao alcance de qualquer banda, mas Morte Incandescente também não são uma banda qualquer. Com a sua agressividade característica e possivelmente com o melhor som da noite, vieram dissipar qualquer réstia de melancolia que pudesse restar no ar. A sala manteve-se cheia para os ouvir tocar, e tanto as músicas dos seus últimos lançamentos como os clássicos que nunca podem faltar (saltam à cabeça “Necromaníaco” e “Forgotten”) contagiaram o público como uma praga. O frenesim de ódio das profundezas manifestou-se em headbang furioso por toda a sala, patrocinado pela dupla NH e Vulturius, que continuam a complementar-se perfeitamente, desta vez com o apoio de um baixo igualmente impiedoso a dar à música um peso adicional que não sacrificou o som cru e rasgado de que tanto gostam. Terminaram com “Black Skull Crushing Metal”, outra das que nunca podem faltar no catálogo e que é sempre uma excelente aposta para encerrar concertos.
Foi uma noite de suprema qualidade, com três grandes concertos que encheram a casa e quase nos fazem esquecer o desalento de ver desaparecer do mapa Acceptus Noctifer – vencidos pela morte, fazendo jus ao nome do evento. Não sabemos o que nos reserva de futuro a Hopeless ou o Mors Omnia Vincit, mas é inegável que sabem o que fazem: resta esperar que o façam novamente.