"O SonicBlast Moledo assume-se cada vez mais como um dos highlights do Verão para festivaleiros que procuram experiências autênticas de entretenimento."
Texto: Gustavo Silva e Joana Ribeiro
Fotos: Daniel Sampaio
Dia 0
O SonicBlast Moledo não poderia ter tido um melhor início: o warm-up juntou os concertos de Ana Paris e The Dead Academy num final de tarde quente no Paredão 476. Um imprevisto fez com que a ordem dos concertos fosse trocada, sendo Ana Paris os primeiros a pisar o palco (e a ordem escolhida deveria ter sido esta mesmo, arriscamos dizer). Coube ao quarteto portuense a missão de aquecer o público e não desiludiram, com o seu rock psicadélico com cheirinho a Kyuss e uma atitude carismática e chamativa que fez com que o recinto fosse enchendo e os presentes se aproximassem gradualmente do palco, contribuindo para uma atmosfera descontraída e animada. A troca da ordem das bandas e o atraso no início do primeiro concerto provocou confusão em alguns dos espectadores, fazendo com que abandonassem o espaço antes de tempo, mas os The Dead Academy ainda iriam marcar presença. O seu punk rock era já conhecido e acarinhado por boa parte do público, que correspondeu satisfatoriamente às incitações enérgicas da banda, dando lugar até a um pequeno mosh.
À noite, o Ruivo’s Bar encheu para assistir a Big Red Panda e The Black Wizards. Os primeiros representaram um interessante contraste em relação à banda anterior, o duo espanhol Milhomes. Afastaram-se subtilmente da sonoridade geral deste festival, com um mix de prog rock e stoner, abusando do synth para induzir uma verdadeira viagem sensorial. Apresentaram quase na íntegra o último full-length, “Grand Orbiter”, com algumas faixas do homónimo de 2014 pelo meio. Obtiveram uma resposta particularmente positiva do público, apesar de este, tire-se-lhe o chapéu, se ter mantido entusiasta durante toda a noite.
Nenhumas das expectativas que se poderiam ter em relação a The Black Wizards se equiparam ao que fizeram em palco, tendo sido antes largamente ultrapassadas. Indiscutivelmente marcado pelos 70’s, o seu irresistível rock psicadélico carregado de fuzz nem por um momento caiu no repetitivo ou no plágio dos pioneiros deste tipo de som, pautando-se antes pela reinvenção, por algumas malhas com estruturas menos convencionais e pelas constantes mudanças de tempo, obrigando-nos a manter-nos alerta durante todo o concerto. Aquela voz típica dos blues, a fórmula já segura que é a voz poderosa e ligeiramente arranhada, manifestou-se através das cordas vocais de Joana Brito, acrescentando-lhe uma camada de sensualidade que certamente agradou a quem não está habituado a ouvi-la no feminino. Igualmente segura enquanto guitarrista, Joana alternava nos deveres de solista com Paulo Ferreira, mas devemos dizer que todos os membros estiveram irrepreensíveis nesta performance que não deixou ninguém indiferente e que serviu para fechar uma noite cujo balanço foi mais do que positivo. [J.R.]
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Às 15h do primeiro dia, no palco junto à piscina, reunia-se uma generosa multidão para ver Maize dar início às festividades. O trio de stoner/psych foi uma boa escolha para a abertura “oficial” do festival, com guitarras serpenteantes e fluidas que convidavam a que fechássemos os olhos e entrássemos num delicioso estado de entorpecimento, fazendo apenas pontualmente uso da voz. Não se pense no entanto que isto é sinónimo de monotonia: simplesmente aprenderam bem a lição partilhada pelos Pink Floyd nos primeiros e mais psicadélicos anos de carreira e que continua a ser estudada por bandas contemporâneas como Earthless ou Colour Haze. Foi um dos concertos mais interessantes do Pool Stage, dotado de uma energia que despertou o público menos preparado para essa descarga efusiva logo ao início da tarde. [J.R.]
Logo de seguida, subiram ao palco os Asimov. A piscina, o ar abafado, os corpos desnudos e o intenso fumo derivado dos incêndios florestais (e não só) da zona serviram de cenário para o psych rock praticado pelo projecto do Cacém. As referências musicais deste duo são muitas, desde Hawkwind, uns The Heads ou até ZZ Top, mas sempre com o mesmo denominador comum: rock'n'roll sem espinhas, a ser consumido com o volume bem puxado. Durante cerca de 40 minutos, Carlos Ferreira e João Arsénio desdobraram-se com a elegância de um elefante por entre os recantos do psych e o heavy, o blues e o stoner, sendo dois que, para os mais distraídos, passariam facilmente por cinco. Com novo álbum editado em 2016, “Truth”, a banda apresentou malhões como “She's Heading West” ou “The Major's Ship”. Que bem que sabe estar à beira da piscina na companhia dos Asimov. [G.S.]
Correia viria a ser um dos concertos mais interessantes de todo o festival, particularmente para quem apenas estivesse a par dos integrantes da banda e não da música desta. Conhecendo o passado dos integrantes Mike e Poli em bandas de sonoridades como o sludge e o hardcore (Men Eater e Devil in Me, respectivamente), foi interessante vê-los nadar em águas mais calmas e assistir à sintonia que possuem em palco, não só entre si mas com os restantes membros. O concerto foi cativante e certamente deixou quem não conhecia curioso e com vontade de ouvir mais, com músicas como “Ghost Love” ou “Deliver Us” a ameaçarem ficar na cabeça dos espectadores mesmo contra a sua vontade. [J.R.]
Moledo foi a primeira paragem da tour de apresentação do terceiro álbum de estúdio dos Miss Lava, “Sonic Debris”, editado pela norte-americana Small Stone Records e que tem conquistado reviews extremamente positivas. Dando o mote de partida com “Another Beast is Born” (cujo videoclip foi editado no dia do concerto), a banda não parou e debitou mais dois malhões do novo trabalho, “The Silent Ghost of Doom” e “I'm the Asteroid”, levando o público num psicadélico test drive pelas ruas do novo trabalho dos lisboetas. Deu ainda para voltar ao primeiro longa duração, com “Don't Tell a Soul” e “Black Rainbow”, e pelo caminho ainda foi dado um ar da graça de “Red Supergiant” com a arrebatadora “Ride”. Depois dos agradecimentos da praxe, a nova “Planet Darkness” encerra um concerto generoso em termos qualitativos de um dos maiores nomes do rock psicadélico em Portugal. Diga-se que a evolução da banda nos últimos anos foi notável, quer em termos de maturidade musical, quer em termos de presença em palco. Johnny Lee encontra-se em grande forma, e não deixa de ser notável a forma como trata a plateia por tu. Da restante banda, emana agora um enorme à vontade e descontração na forma como vão debitando barragens sonoras que deixariam uns Kyuss, uns Causa Sui ou uns Fu Manchu orgulhosos.
Do primeiro dia podemos ainda destacar o rock sexy proveniente de Nashville que foi All Them Witches, onde não era incomum de todo ver membros do público a ferrar o lábio ou a abraçar os seus mais que tudo de forma “íntima”, a energia eletrizante dos Valient Thorr, onde vimos Valient Himself a mostrar aos Gustavos Santos deste mundo como é que um profissional dá encorajamento às massas, Sacri Monti com o seu rock psicadélico a mostrar que a década de 70 ainda se arrasta, e porque não, a descarga de thrash que foi Possessor no palco da piscina, a meio da tarde, onde pela primeira vez pudemos observar em primeira mão dualtos de mosh – piscina – mosh. [G.S.]
Dia 2
Apesar do calor tímido do segundo dia do festival, derivado de uma crise de identidade deste querido mês de Agosto, o relvado estava repleto de festivaleiros ávidos de rock. Vircator, banda da casa (Viana do Castelo) formada em 2012 e composta por Pedro Carvalho, Gustavo Ribeiro, Marcelo Peixoto e Paulo Noronha, foi o único colectivo português no Pool Stage durante o segundo dia. O som deste quarteto pode ser caracterizado como um post-rock com experimentalismos pelo meio, melodia q.b contraposta com peso (e que peso), conta e medida. Com álbum de estreia lançado este ano, “At the Void's Edge”, viram já uma das suas músicas incluídas na Compilação Novos Talentos 2016 promovida pela FNAC, o que por si só já é um pequeno indício de que estes vianenses vieram para deixar uma marca nos caminhos da distorção nacional. Sem dúvida um dos concertos que mais entusiasmou os presentes no palco da piscina, além de Possessor, Correia e Spelljammer. A última música, nova segundo os mesmos, foi um dos pontos altos do concerto, evidenciando que mais e ainda melhor vem a caminho. Destaque também para “Tunguska”, uma daquelas malhas que nos convida a contemplar a beleza do mundo à nossa volta, em cinematográfico slow motion. [G.S.]
O final da tarde do segundo dia reservava-nos uma surpresa. Um ajuntamento à porta do recinto e um soundcheck inesperado levaram-nos a investigar o que se passava: Mr. Miyagi decidiram aparecer (quase) sem aviso para um concerto-relâmpago. Uma horda de skaters invadiu o local à mesma velocidade a que as malhas punk eram debitadas, e depressa se formou um mosh pit frenético que contagiou boa parte dos que assistiam. Se o punk dos The Dead Academy (com quem a banda partilha membros) funcionou bem no warm-up, a sonoridade vizinha mas mais agressiva de Ciso San e companhia foi uma agradável variação num cartaz dominado pelo stoner e sem dúvida que acordou todos os participantes.
Seguir-se-iam The Black Wizards pela segunda vez no festival, desta feita no palco principal. Foi possível ter uma melhor percepção de cada membro da banda e ouvir mais claramente todos os instrumentos, comprovando mais uma vez a química existente entre os elementos. Obrigatório mencionar a prestação da baterista que não se coibiu de, pela segunda vez no festival e agora com um público consideravelmente maior, ter um arrebatador momento a solo em “Gypsy woman”. Apesar de tudo, o concerto do warm-up poderá ter superado este, talvez devido ao facto de não haver distância entre o público e a banda e devido à atmosfera proporcionada por um espaço fechado. Num recinto daquela dimensão a intensidade e a intimidade perderam-se um pouco, mas quanto à qualidade da actuação, esta manteve-se, e foi, de todas as formas, um belo concerto. [J.R.]
Há bandas que parecem estar em todo o lado ao longo do nosso crescimento, durante vários anos a fio. Começamos por ver os seus nomes, ainda desconhecidos, em cartazes semi-arrancados em ruas desertas, publicitando gigs em pequenos bares decrépitos. Depois ouvimos dizer que vão lançar o seu primeiro álbum. Que vão embarcar numa digressão regional, e mais tarde em sucessivas tours, nacionais e além-fronteiras. Algumas dessas bandas chegam ao coração da Europa, menos ainda conseguem que um ou dois singles se tornem músicas usadas em anúncios de uma qualquer operadora nacional, e muito poucas chegam a um palco de grande dimensão e nele se instalam como se estivessem em casa. Killimanjaro são um perfeito exemplo desta ascensão sustentada. Após quase dois anos de promoção de “Hook”, o excelente álbum de estreia de 2014, eis que o trio volta a carga com “Shroud”, EP lançado em Junho deste ano. Com o nevoeiro a querer abraçar o palco debaixo de um pôr-do-sol cor de toranja, José Roberto Gomes, Joni Dores e Luis Masquete deram um concerto ao nível dos melhores que já presenciamos deste projeto, onde não foi preciso mais do que uma música para nascer um belo mosh oleado por rock'n'roll dos antigamentes. Se Masquete metia ordem na casa ditando os grooves, qual metrónomo humano, Joni, com uma disponibilidade física impressionante exalava intensidade, tratando aqueles pratos e peles como não se deve tratar uma mulher, e José Gomes, o suspeito do costume com um vozeirão do melhor que existe em Portugal, encontrava-se ligado à corrente, em simbiose com a sua Hägstrom. “Hook” foi tocado quase na totalidade, mas ainda houve espaço para apresentar material do novo EP, tal como o novo single, “Hurry, Bury”. O destaque vai naturalmente para a “December”, uma daquelas músicas que há-de morrer connosco, cujos primeiros versos ecoam na cabeça durante dias a fio (e um toque de despertador soberbo, fica a dica). [G.S.]
Neste dia tocaram também Stoned Jesus, uma das bandas mais aguardadas e que não desiludiram, tendo tocado uma setlist um pouco previsível, mas nem por isso menos desejada, conseguindo pôr boa parte da audiência a mostrar que sabia as letras. Destaque também para Uncle Acid, que nos deu boleia até ao psicadelismo dos 70’s, percorrendo-nos de uma ponta à outra com riffs sabbathianos que teimam em não sair mais da corrente sanguínea. [J.R.]
Por fim, dois nomes de gabarito mundial a encerrar o festival e que corresponderam em grande medida às expectativas. Truckfighters com uma prestação extremamente enérgica fizeram estremecer as casas da vizinhança, com óbvio destaque para um dos hinos do stoner, “Desert Cruiser”. Já os Salem's Pot assinaram uma prestação verdadeiramente hipnótica e assombrosa, qual cabaret macabro da década de setenta com psych doom a ser projetado pelas grafonolas, configurando-se assim como uma das grandes surpresas do festival. [G.S.]
Perante a “comercialização” ou extinção de alguns dos festivais mais icónicos de Portugal, o SonicBlast Moledo assume-se cada vez mais como um dos highlights do Verão para festivaleiros que procuram experiências autênticas de entretenimento. A localização à beira-mar é perfeita, apesar de este ano o Sol ter estado um pouco tímido, e a genuinidade dos habitantes da vila faz com que qualquer forasteiro se sinta em casa. Nota positiva também para os Afters, que decorreram num espaço com muita boa localização, bons DJ's (o luxo que é ter-se uma das mentes de Radio Moscow a passar som pela noite fora!) e bom cardápio de bebidas e comidas. A oferta na zona do recinto em termos de ementa era bastante interessante, sendo que o caldo verde, as batatas fritas feitas na hora e a feijoada a preços convidativos e à porta do recinto fizeram furor por entre aqueles que tinham e não tinham pulseira. Por último, uma referência também ao grande espírito que se viveu no campismo, sendo que o espaço repleto de sombras ajudou a recobrar forças das batalhas que se iam travando à frente dos palcos. No entanto, tendo em conta o crescimento do festival, mais casas de banho e sítios para colocar o lixo são aspetos que a organização deve ter em conta na hora de planear a edição de 2017. Já o público deverá fazer também a sua parte: em plena época de incêndios, e com várias bandas a mencionar o trabalho dos bombeiros na região, seria de esperar que a zona do campismo estivesse mais limpa no fim do festival. Pormenores facilmente corrigíveis na próxima edição, sobre a qual já circulam aliciantes rumores. [G.S.]