Texto: Filipe Fernandes
Fotos: Inês Mendonça
E nada melhor para descrever a energia deste festival, jovem e dinâmico, já tão bem conhecido por nós e pelo público do underground nacional e internacional, contando já com a presença de bandas clássicas e de renome , entre variados géneros, vindas de outros países!
Este ano não foi diferente: fomos brindados com um cartaz de qualidade, diversificado e com nomes vastos e cheios de história que prometiam, mais uma vez, levantar poeira e levar os fãs de música extrema até esta simpática cidade que tão bem nos sabe receber!
Dia 1
A árdua tarefa de dar início a estas festividades foi entregue aos Revenge Of The Fallen, que tocaram para um público escasso e um pouco acanhado, como seria de esperar nas bandas de abertura, onde alguma parte do público ainda nem sequer tinha dado pelo início do evento. No entanto, a banda de Cascais não se deixou limitar por isso, distribuindo uma energia bastante própria e sonante do seu melódico metal alternativo, independentemente do número de pessoas. A atuação foi um arranque ideal, que começou a reunir e cativar cada vez mais público à medida que o concerto progredia, deixando-nos com vontade de mais.
Para nos satisfazer essa vontade chegaram de Leiria, com alguns atrasos no soundcheck, os Dream Pawn Shop, com uma sonoridade tão ou mais curiosa e cativante como o próprio nome.
Quando entram em palco logo se destacam pelo sentimento e descontração que depositam nas sua músicas e pela presença de um saxofonista que nos vem brindar com um elemento diferente que encaixa muito bem neste coletivo progressivo e experimental.
À medida que o terceiro concerto se aproximava, a temperatura sentia-se a diminuir dentro da tenda e as sombras da noite iam tomando conta do recinto, cenário ideal para subirem ao palco, diretos do submundo, os Irae, nome de referência dos sons profanos nacionais que não tardaram em encher o recinto das mais infames almas, prontos para mais um ritual negro contando com bastantes temas do seu álbum mais recente, Crimes Against Humanity. Esta trindade maligna, impulsionada por Vulturius, pioneiro do negro metal, acompanhado de Deris e André Silva, corroeu os ouvidos a todos os presentes com uma descarga crua, fria e rápida dos seus temas, ainda com espaço para honrar os clássicos, levando o público ao êxtase com o tão sentido hino, Prime Evil Black Metal.
Ainda no registo dos sons extremos, as lendas do grind português tomaram o Moita Metal Fest de assalto à medida que se iam aglomerando cada vez mais hordas em frente ao palco, prontas a fazer o chão tremer. E foi assim que Grog nos entregou o seu som tão bem conhecido e executado, provocando o caos e puxando pelo lado mais animal dos presentes, onde ninguém ficou parado nem indiferente. O mosh ia-se acentuando e o público ia-se entregando cada vez mais à medida que o concerto progredia. Quando Pedro Pedra grita em fúria Hanged By The Cojones a loucura continua e a sede de destruição aumenta; no entanto, o concerto chegou ao fim deixando uma sensação de término precoce.
Diretamente da Suécia, prontos a pôr toda a gente de punho no ar com o seu speed/heavy metal, Enforcer invadem-nos com o seu som estridente e cheio de energia, quer na sua performance quer nas suas músicas, por vezes ouvidas com dificuldade devido a problemas técnicos e oscilações no som. Porém, isto não impediu o público nem o grupo de vibrar e ter uma entrada em grande com o tão conhecido tema Die For The Devil.
A conexão entre a banda era notória e transbordava para o público, que mostrou estar em simbiose quando completou o refrão do tema From Beyond e sendo levado à loucura quando soa a clássica Mesmerized By Fire.
Uma atuação incrível onde a banda mostrou que o old-school está vivo e recomenda-se, sempre brindado com um ambiente acolhedor e energético que quase nos fez viajar no tempo, como se estivéssemos de volta aos anos 80.
Precisamente dos anos 80, dispensando apresentações, Destruction vieram bombardear-nos com o seu característico thrash metal teutónico. Eram uma das bandas mais aguardadas da noite, não fossem eles um nome clássico na história do metal europeu, possuidores de uma extensa e excelente discografia, que agora e sempre impulsiona os adeptos do género e desperta interesse nos mais curiosos, quer pela brutalidade, quer pela qualidade do som.
A simpatia típica dos thrashers fez-se sentir pela forma como Schmier, o baixista e vocalista, saudava vigorosamente o público e incentivava o movimento incessável que se fazia perpetuar no mosh pit.
A poeira já ia alta quando soaram algumas malhas onde o público fez questão de vibrar e acompanhar os refrões como na Nailed To The Cross. Sem dúvida uma das prestações que não desiludiu as elevadas expectativas do público, que fez questão de acompanhar a fúria energética da banda até ao último acorde.
Depois deste desgaste enorme, nada melhor que os veteranos nacionais do folk metal, Gwydion, que nos vieram presentear com as suas épicas histórias de batalha para satisfazer aqueles guerreiros que recusavam dar a noite por terminada. E assim foi. Ainda que com menos público, a intensidade não parou. Em tom vitorioso e folclóricora, com grande conexão entre os membros, vimos os mais resistentes dançar e cantar abraçados, sempre com bastante energia, havendo ainda espaço para uma wall of death motivada pela banda. Nada melhor para encerrar o primeiro dia!
Dia 2
Ainda a recuperar da noite anterior, fomos um pouco à pressa para o recinto, uma vez que neste dia os concertos começaram mais cedo devido ao maior número de bandas, e mais uma vez testemunhámos a dificuldade que as primeiras bandas enfrentam em conseguir reunir um número considerável de espectadores, com muitos deles ainda a descansar.
No entanto isso não impediu que o quinteto portuense Moonshade desfrutasse do tempo em palco, sempre com um discurso bastante positivo e humilde, em tom de agradecimento ao público e à organização.
Um concerto que foi progredindo também à medida que se iam aglomerando cada vez mais curiosos cativados pelo som melódico e imponente desta banda tão reconhecida dentro do género em Portugal. O concerto contou com a presença de alguns trabalhos do seu mais recente trabalho, lançado em outubro do ano passado, Sun Dethroned, havendo ainda lugar para um jogo teatral que decerto nos cativou.
De seguida, num registo mais agitado e sedento de mosh e cerveja, vieram de Évora os Mindtaker. E apesar do público continuar escasso em nada hesitaram em nos entregar uma descarga de thrash metal old school. Começaram assim a agitar o segundo dia de festival, com um concerto bastante fluido, com bastante interação entre a banda e o público, como se fez sentir na conhecida Drink Beer For Thrash, onde testemunhámos até cervejas a voar até ao palco, as quais o vocalista agradeceu.
Ainda na onda do thrash, porém mais groove, chegaram-nos de Aveiro os Infraktor, que depressa começaram a reunir os presentes no recinto em frente ao palco, não fosse tal a curiosidade para ouvir os temas do seu álbum, Exhaust, lançado no ano passado, que fez mexer o underground nacional. Houve ainda lugar para uma colaboração, quando Raça, vocalista de Revolution Within, foi chamado ao palco para um agradecimento especial por parte da banda e para um desempenho a duas vozes bem poderosas.
Num dia numeroso como este a oferta era variada entre os vários géneros de música extrema como se verificou com The Voynich Code, diretamente de Lisboa. Trouxeram os seus trabalhos bastante progressivos, do deathcore ao djent, mostrando ser um grande projeto nacional para os fãs do género que se mostraram aqui presentes. Portadores de um carisma bastante vincado e uma técnica musical fenomenal, foram sem dúvida uma boa aposta neste cartaz!
Seguia-se Diabolical Mental State, prontos a recuperar a atenção dos thrashers presentes. Novamente sentiu-se bastante o acolhimento por parte do público e dos amigos presentes, havendo ainda lugar para uma tentativa de colaboração por parte de Hugo Andrade, que infelizmente não compareceu (o que é compreensível, sendo responsável pela organização do festival). Mesmo assim, o concerto deu-se com uma brutalidade e energia que fez mostrar que o underground português está vivo!
E para confirmar que está vivo, também em língua portuguesa se continuou a cantar. Referimo-nos aos punk rockers de Lisboa, Artigo 21, banda que não podia deixar de constar num dia onde o punk estava bem vincado, ainda para mais com um trabalho bem recente, intitulado Ilusão. Uma prestação bastante animada e mexida em cima do palco; já por parte do público sentia-se um pouco de acanhamento face à prestação do quinteto, que apesar disso fez questão de agradecer à organização e ao público.
Novamente, com o sol a ir-se e as primeiras sombras noturnas a instalarem-se pelas terras da Moita, Gaerea sobem ao altar, prontos a ceifar as almas perdidas para o vazio que apregoam. De face oculta, movidos pelas forças mais negras, entregaram-nos composições fenomenais que nos fazem oscilar entre os limiares da sanidade e o niilismo ocultista, atacando os presentes com uma fenomenal sonoridade e um espetáculo teatral intimidante e intenso. A banda portuguesa conta com uma discografia pouco extensa, com um EP lançado no ano de formação e um álbum lançado no ano transato, no entanto não deixam de ser uma sensação quer a nível nacional, quer lá fora, onde contam já com bastantes atuações em festivais e concertos de renome.
Voltando a atingir as veias do punk e rompendo com a fusão perfeita à música extrema, continua-se a demonstrar o que melhor se faz em território nacional. Estamos portanto a falar dos “monstros do crust nacional”, Simbiose, que não tardaram em rasgar de forma incisiva o seu som grave e rápido sobre os demais, ao que o público respondeu de forma positiva, com bastante movimento, cantando os refrões das icónicas Será que Há Morte Depois da Vida e Acabou a Crise, Começou a Miséria, temas presentes no seu último trabalho, Trapped, mostrando a sua atitude vincada e crítica incisiva à politica de que o crust punk tanto grita. Uma prestação incrível, bastante acolhedora, onde apareceu em pleno mosh Dean Jones, vocalista de Extreme Noise Terror, a saudar os seus colegas, demonstrando a união e humildade que se faz sentir no género e expectante para o terror que se avizinhava.
Sangue, violência, parafilias e delírio são os termos que melhor poderão descrever os portuenses Holocausto Canibal, que quer em Portugal ou lá fora já dispensam apresentações, com uma presença bastante definida, quer no som quer na temática, e que rapidamente chocam os mais sensíveis com a sua brutalidade sonora, lírica e gráfica.
O mosh era incessável, o peso e a velocidade tão típica deste som fez-se sentir no recinto de uma forma agradável, pena ter sido uma prestação tão curta.
Os Dr. Living Dead também não perderam tempo em entregar o seu crossover bem mexido e característico no que toca aos seus riffs energéticos e à reconhecível voz e simpatia de Dr. Mania. Algo que não passa despercebido é a sua apresentação estética, pois as caveiras usadas nas performances distinguem-nos dos demais. Mas não é só indumentária: esta banda de Estocolmo tem muito para nos dar e caos e confusão para criar, como demonstraram no palco do Moita. Um concerto memorável e muito agitado.
A tarefa de manter a agitação que se tinha instalado foi entregue mais uma vez à Suécia (país com algum peso neste cartaz), desta vez aos ícones do hardcore, No Fun At All. E ao contrário do que o nome indica, houve bastante diversão como pudemos confirmar ao ver como os demais vibravam com este som descontraído e jovem, demonstrando que apesar da idade, esta banda se recusa a deixar morrer o espírito jovem e entrega-se ao corrupio rápido e demolidor do hardcore fresco, acompanhado com uma voz melódica que decora e impulsiona as suas músicas. Apesar dos espectadores estarem mais parados do que seria de esperar, o hardcore punk não falhou em se fazer sentir por entre aqueles que continuavam a acompanhar o seu ritmo frenético.
E num dia em que o punk foi tão bem representado nos seus diversos géneros, tivemos entre nós um dos atos mais sonantes da música extrema. Diretamente de Inglaterra, com o crust punk nas suas raízes e um grindcore sujo e rasgado, eis que Extreme Noise Terror surgem, prontos para avassalar todos os presentes com os seus riffs agressivos e batidas rapidamente impiedosas. No entanto depararam-se com algumas dificuldades técnicas relativamente ao som que se fizeram sentir ao longo do concerto, algo que Ben McCrow, um dos vocalistas, apontou. Apesar dessas condicionantes, não deixaram de trazer o caos ao recinto, exibindo o poder clássico e mostrando mais uma vez que a idade não é um entrave. Um espírito incrível, de grande união, foi sentido quando se relembraram os que já partiram e homenagearam o seu antigo vocalista Phil Vane, sem dúvida um momento marcante, seguido de uma cover brutal de Sham 69, que infelizmente marcava o fim do concerto.
A encerrar este festival estava uma das bandas mais esperadas da noite. Referimo-nos aos polacos Decapitated, que regressaram novamente a Portugal para demonstrar que apesar de todos os percalços eles continuam em força, como o próprio vocalista fez questão de mencionar, enquanto agradecia a todos os que apoiam o projeto e os motivam a continuar apesar desses altos e baixos. Altos e baixos também foram um pouco sentidos no som, na parte inicial da atuação, mas com o progredir do concerto e da emoção foram corrigidos e também mascarados pela performance bruta e pesada deste quarteto massivo.
Por muito cansaço que houvesse acumulado, não se fez sentir durante esta performance, uma vez que o público não arredou pé e fez questão de dar continuidade ao mosh que ocupava uma boa porção do recinto, festejando até à última música, sempre com a intensidade da primeira.
Foi bom assistir a toda este vasto cardápio variado com um foco importantíssimo no que melhor se faz a nível nacional, contando quer com nomes de peso, quer com projetos recentes que tiveram a excelente oportunidade de se mostrar e de divulgar o seu trabalho. Saímos bastante satisfeitos desta edição e, apesar de alguns percalços técnicos, o balanço é bastante positivo, quer pela qualidade acima referida, quer pela simpatia que se faz sentir no festival e fora dele, no resto da cidade, e ainda pela oportunidade de testemunharmos um underground a crescer e evoluir em várias direções, mantendo um epicentro fenomenal. Bem hajam!
Disclaimer: Devido a problemas com a câmara, não foi possível fotografar todas as bandas. As nossas desculpas aos The Voynich Code, DMS, Artigo 21 e Extreme Noise Terror.