Quase 40 anos depois do início da sua rica carreira, os UHF dispensam qualquer apresentação. A poucos dias do lançamento de "UHF - O Melhor de 300 canções", Lisandro Jesus fez algumas perguntas a António Manuel Ribeiro, fundador e líder da mítica banda de rock português.
Entrevista por: Lisandro Jesus
Entrevista por: Lisandro Jesus
Portuguese Distortion - Como é que ao fim de tantos anos de carreira, o espírito permanece nos UHF? Qual a injecção e a alma que o António incutiu aos membros que na actualidade não acompanharam os UHF desde os primórdios?
António Manuel Ribeiro - No princípio queríamos ser músicos; depois tornámo-nos músicos, autores, compositores, artistas. Foi um crescimento gradual e natural, descobrir a confiança e afirmar um modo de vida. A única coisa que pedi aos músicos que actualmente estão comigo há largos anos é que gostassem daquilo que vinham fazer, que gostassem da música dos UHF, que isto não era um emprego normal em que se vai chateado de manhã para a rua e se regressa à noite a casa ainda mais aborrecido.
Aqui havia o privilégio de se fazer o que se gosta e ser feliz, desfrutar. Depois há que fazer crescer a competência nas várias vertentes da música: da sala de ensaios, ao estúdio, o palco, a TV, a rádio, as entrevistas, o resto.
PD - No dia 30 deste mês sai um novo disco dos UHF. Existirá alterações na produção, na sonoridade desta compilação de "O melhor de 300 canções"?
AMR - Sendo uma compilação global de carreira (de 1979 a 2015), tivemos de respeitar os originais que pudemos utilizar, e quando isso não aconteceu recorremos a gravações ao vivo – finalmente é a nossa história discográfica com 35 clássicos e 2 inéditos. Também há regravações, como “Puseste o diabo em mim” e “Cavalos de corrida”, fiéis aos originais mas com a dinâmica sonora actual.
O trabalho mais árduo ficou para o Rui Dias, que fez a masterização. Foi preciso compatibilizar quatro décadas de evolução sonora, com produções e estúdios diferenciados.
António Manuel Ribeiro - No princípio queríamos ser músicos; depois tornámo-nos músicos, autores, compositores, artistas. Foi um crescimento gradual e natural, descobrir a confiança e afirmar um modo de vida. A única coisa que pedi aos músicos que actualmente estão comigo há largos anos é que gostassem daquilo que vinham fazer, que gostassem da música dos UHF, que isto não era um emprego normal em que se vai chateado de manhã para a rua e se regressa à noite a casa ainda mais aborrecido.
Aqui havia o privilégio de se fazer o que se gosta e ser feliz, desfrutar. Depois há que fazer crescer a competência nas várias vertentes da música: da sala de ensaios, ao estúdio, o palco, a TV, a rádio, as entrevistas, o resto.
PD - No dia 30 deste mês sai um novo disco dos UHF. Existirá alterações na produção, na sonoridade desta compilação de "O melhor de 300 canções"?
AMR - Sendo uma compilação global de carreira (de 1979 a 2015), tivemos de respeitar os originais que pudemos utilizar, e quando isso não aconteceu recorremos a gravações ao vivo – finalmente é a nossa história discográfica com 35 clássicos e 2 inéditos. Também há regravações, como “Puseste o diabo em mim” e “Cavalos de corrida”, fiéis aos originais mas com a dinâmica sonora actual.
O trabalho mais árduo ficou para o Rui Dias, que fez a masterização. Foi preciso compatibilizar quatro décadas de evolução sonora, com produções e estúdios diferenciados.
PD - Os UHF no início da carreira abriram para Bandas de renome a nível internacional como os lendários Ramones ou os Uriah Heep, por exemplo. Os jovens de hoje não têm a mesma alma ou o mesmo espírito que nos anos 80. E eu pergunto se na cena actual, a falta da chama que existia no Rock de 80s, derivado ao Boom na altura, ainda possa originar algum impacto nas gerações de hoje.
AMR - Acho que a melhor resposta que possa dar está na intemporalidade de alguns dos nossos clássicos, que beberam essa vontade de ser e fazer que o punk nos trouxe. Quando a canção “Cavalos de Corrida” é cantada hoje por miúdos e adolescentes que vão aos nosso concertos, isso significa que a força intrínseca e a identidade do tema sobrevive à passagem do tempo.
“Puseste o diabo em mim”, o primeiro single e vídeo deste disco, foi editada também em single em 1984, teve direito a vídeo e cruzou uma fase conturbada dos UHF, com origem na saída do Carlos Peres (baixo) no Outono de 1983, e o brutal acidente de viação do Zé Carvalho (bateria) em Janeiro de 1984, que o afastaria da música activa no final desse Verão. A editora desapareceu e a canção nunca foi editada em CD. Agora, quando chegou à rádio e o novo vídeo às redes sociais, houve quem julgasse que tinha sido escrita há um par de meses.
PD - Depois de tanto sucesso e de ter discos que chegaram a ser líderes do top nacional, falo do "à Flor da Pele" que chega a ser considerado a Bíblia do Rock Português, qual o álbum que marca mais na longa e bem sucedida carreira dos UHF na opinião do António Manuel Ribeiro?
AMR - Gosto muito do “À Flor da Pele” porque foi o primeiro, deram-nos três meses de estúdio e “Rua do Carmo”, que estava lá dentro, confirmou que os “Cavalos” não tinham sido um acaso. Depois há “Noites Negras de Azul” (1988), “La Pop End Rock” (2003), a minha obra máxima como autor, e ainda “Porquê?” (2010) e “A Minha Geração” (2013).
AMR - Acho que a melhor resposta que possa dar está na intemporalidade de alguns dos nossos clássicos, que beberam essa vontade de ser e fazer que o punk nos trouxe. Quando a canção “Cavalos de Corrida” é cantada hoje por miúdos e adolescentes que vão aos nosso concertos, isso significa que a força intrínseca e a identidade do tema sobrevive à passagem do tempo.
“Puseste o diabo em mim”, o primeiro single e vídeo deste disco, foi editada também em single em 1984, teve direito a vídeo e cruzou uma fase conturbada dos UHF, com origem na saída do Carlos Peres (baixo) no Outono de 1983, e o brutal acidente de viação do Zé Carvalho (bateria) em Janeiro de 1984, que o afastaria da música activa no final desse Verão. A editora desapareceu e a canção nunca foi editada em CD. Agora, quando chegou à rádio e o novo vídeo às redes sociais, houve quem julgasse que tinha sido escrita há um par de meses.
PD - Depois de tanto sucesso e de ter discos que chegaram a ser líderes do top nacional, falo do "à Flor da Pele" que chega a ser considerado a Bíblia do Rock Português, qual o álbum que marca mais na longa e bem sucedida carreira dos UHF na opinião do António Manuel Ribeiro?
AMR - Gosto muito do “À Flor da Pele” porque foi o primeiro, deram-nos três meses de estúdio e “Rua do Carmo”, que estava lá dentro, confirmou que os “Cavalos” não tinham sido um acaso. Depois há “Noites Negras de Azul” (1988), “La Pop End Rock” (2003), a minha obra máxima como autor, e ainda “Porquê?” (2010) e “A Minha Geração” (2013).
PD - A nível pessoal penso que existe demasiado facilitismo na divulgação de Bandas (músicos) nos tempos de Hoje. Como é que observa a musicalidade actual no nosso país?
AMR - Tenho uma frase que resume com ironia o que penso de muita coisa que hoje se promove como the new big thing – temos um cemitério cheio destas coisas. Ou seja, há muito papel de parede e poucas telas pintadas. O acesso rápido às redes sociais é uma faca de dois gumes: tudo se divulga, o bom e o mau, sem critério. O grande juiz do artista é o público, não é a crítica (inexistente) ou um grupo de amigos porreiros. É com o público, se quer sair do conforto da despensa, que o artista tem de comunicar.
PD - António, para terminar a entrevista, o Hugo Conim, que será um dos próximos convidados a ser entrevistado pela Portuguese Distortion, fará um documentário a par do Miguel Newton sobre o Punk em Portugal de 77 a 88. E sei que o António Manuel Ribeiro testemunhou algumas incidências do passado para o já mencionado documentário. O que acha da ideia? Será uma boa motivação para os jovens de hoje, aprenderem algo do que foi feito em tempos atrás?
AMR - Penso que todos os documentos deste teor têm uma validade que é mostrar o que existiu, como existiu e quem esteve lá. Depois cada um que faça o seu julgamento e se der para aprender algo, óptimo.
É preciso perceber que esta malta que começou a serrar presuntos em 1977 (nessa altura ainda nos chamávamos à Flor da Pele) deu início ao mais importante movimento de renovação musical depois do 25 de Abril de 1974. Nada ficou como dantes: o estatuto do artista, os estúdios, a atitude dos músicos, o vestuário, a fotografia das capas, os PA, os técnicos, os roadies, as equipas de promoção, os palcos, tudo, mas tudo mesmo, saiu do-mofo-bem-parecido connosco.
AMR - Tenho uma frase que resume com ironia o que penso de muita coisa que hoje se promove como the new big thing – temos um cemitério cheio destas coisas. Ou seja, há muito papel de parede e poucas telas pintadas. O acesso rápido às redes sociais é uma faca de dois gumes: tudo se divulga, o bom e o mau, sem critério. O grande juiz do artista é o público, não é a crítica (inexistente) ou um grupo de amigos porreiros. É com o público, se quer sair do conforto da despensa, que o artista tem de comunicar.
PD - António, para terminar a entrevista, o Hugo Conim, que será um dos próximos convidados a ser entrevistado pela Portuguese Distortion, fará um documentário a par do Miguel Newton sobre o Punk em Portugal de 77 a 88. E sei que o António Manuel Ribeiro testemunhou algumas incidências do passado para o já mencionado documentário. O que acha da ideia? Será uma boa motivação para os jovens de hoje, aprenderem algo do que foi feito em tempos atrás?
AMR - Penso que todos os documentos deste teor têm uma validade que é mostrar o que existiu, como existiu e quem esteve lá. Depois cada um que faça o seu julgamento e se der para aprender algo, óptimo.
É preciso perceber que esta malta que começou a serrar presuntos em 1977 (nessa altura ainda nos chamávamos à Flor da Pele) deu início ao mais importante movimento de renovação musical depois do 25 de Abril de 1974. Nada ficou como dantes: o estatuto do artista, os estúdios, a atitude dos músicos, o vestuário, a fotografia das capas, os PA, os técnicos, os roadies, as equipas de promoção, os palcos, tudo, mas tudo mesmo, saiu do-mofo-bem-parecido connosco.